A fundamentalidade dos direitos sociais
Sobre o Autor:
Ricardo Maurício Freire Soares
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito (Especialização/Mestrado/Doutorado) na Universidade Federal da Bahia. Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fundamentais da Faculdade Baiana de Direito. Professor do Curso Juspodivm e da Rede Telepresencial LFG. Professor convidado da Universitá degil studi di Roma (Itália). Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-Ba. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados da Bahia. Palestrante e consultor jurídico. Salvador-Bahia. E-Mail: ric.mauricio@ig.com.br
O reconhecimento da força normativa do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana requer o reconhecimento da necessidade de assegurar não somente os direitos individuais dos cidadãos (vida, liberdade, igualdade formal, propriedade, segurança), também conhecidos como direitos de primeira dimensão, cuja concretização demanda a abstenção dos órgãos estatais, mas também implica a necessidade de efetivar, com a maior abrangência possível, os direitos sociais (educação, saúde, trabalho, moradia, assistência social), cuja materialização exige o desenvolvimento de prestações positivas do Estado.
Para Norberto Bobbio (1992, p. 72), o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos do homem, a indispensabilidade da intervenção estatal. Isso porque que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu o Estado de Bem-estar Social. Enquanto os direitos individuais de liberdade nascem como uma contraposição ao poder do Estado -e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, a ingerência do Estado.
Inicialmente, os direitos fundamentais de segunda geração passaram por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigiam do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos, sendo, por isso, relegados à condição de direitos subalternos, quando comparados aos direitos individuais.
Segundo Paulo Bonavides (2001, p. 518), os direitos sociais tiveram, tradicionalmente, a sua juridicidade questionada, sendo remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos individuais que enunciam as liberdades básicas. Atravessaram uma crise de observância e execução, que muito comprometeu o seu reconhecimento como direitos fundamentais.
Diante da atual fase do neoconstitucionalismo, sobretudo no âmbito do sistema constitucional brasileiro, marcado pela primazia da dignidade da pessoa humana, não se revela consistente qualquer tentativa reducionista de afastar os direitos sociais da categoria dos direitos fundamentais, subtraindo sua eficácia jurídica (aplicabilidade) e sua eficácia social (efetividade).
Decerto, a partir da leitura principiológica da dignidade da pessoa humana, pode-se asseverar que o sistema constitucional brasileiro não previu qualquer regime jurídico diferenciado para os direitos fundamentais, seja para os direitos individuais, seja para os direitos sociais. Esse entendimento se reforça com a constatação de que o Poder Constituinte optou por um modelo de constitucionalismo dirigente, a ser implementado por um Estado intervencionista no campo econômico-social (arts. 1º e 3º) e de que a Carta Magna, no art. 5º, § 1º, estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, aqui englobando todas as normas de direitos fundamentais, inclusive aquelas que regulam os direitos sociais, e não somente as que tratam dos direitos individuais dos cidadãos.
Sendo assim, revela-se, portanto, insustentável a interpretação constitucional de que os direitos sociais a prestações positivas do Estado estão excluídos da categoria dos direitos fundamentais, não apresentando eficácia plena e imediata aplicáveis. Isso porque a dignidade da pessoa humana só se realiza plenamente com a afirmação da aplicabilidade e efetividade dos direitos sociais.
Decerto, a dignidade da pessoa humana expressa não somente a autonomia da pessoa humana que caracteriza os direitos individuais, vinculado à idéia de autodeterminação na tomada das decisões fundamentais à existência, como também requer prestações positivas do Estado, especialmente quando fragilizada ou quando ausente a capacidade de determinação dos indivíduos. Sendo assim, os direitos sociais de cunho prestacional encontram-se voltados para a substancialização da liberdade e da igualdade, objetivando, em última análise, a tutela da pessoa humana em face necessidades de ordem material, tendo em vista a garantia de uma existência digna.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva: 2010.
______. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.
0 comentários:
Postar um comentário